Era
um caminho normal, acordar aos sábados e antes de ir ao trabalho passar na
padaria e comprar os jornais do fim de semana, logo depois fazer à conhecida
‘fézinha’ no ilegal jogo do bicho na porta do estabelecimento e encarar o dia
de trabalho mais tranquilo da semana. Era realmente para ser um sábado
qualquer, mas ao estacionar o carro um pedinte antigo da cidade, no entanto
jovem na idade, encostou e pechinchou:
-
Tia, me dá um real? – Seu bordão famoso.
-
O que vai fazer com o dinheiro? – Questionei
Eu
sou um pouco avessa a entregar dinheiro, sempre pergunto como vai gastar a
quantia e se for algo que possa comprar, vou lá, compro e entrego.
Nesse
dia, ele me disse que gostaria de comprar um café, logo o convidei para
tomarmos café juntos, mesmo com a ausência da fome. Entrei na padaria, pedi
dois cafés duplos com leite, e perguntei se ele encarava um misto. Seus olhos
brilharam e concordou silenciosamente.
Percebendo
que ele permanecia em pé o tempo inteiro, fiz um convite a se sentar:
-
Não doutora, quero não – E foi se aproximando da porta da padaria.
Cheguei
bem próximo e alertei de que nós dois poderíamos nos sentar e que era um
direito de nós consumidores, mas ele recusou, veementemente apreensivo. A
atendente também não gostou da minha proposta, passou a nos olhar de cara feia
e nos tratar com rispidez.
Peguei
os mistos, paguei a conta e saímos. Perguntei aonde iria se alimentar e apontou
para a calçada, questionei se poderia dividir o momento, e ele afirmou com a
cabeça.
Sentamos
nós dois no meio-fio da calçada da padaria e tomamos nosso café. Conversamos
por mais uns 20 minutos. Ele me contou que tem dias que faz apenas uma
refeição, depende de alguém para ajudar no dinheiro, ou com algum serviço ou
com comida. Eu faço todas as refeições e metaforicamente, de modo imediato,
levei o primeiro tapa na cara. Ainda me
contou que mora numa casa abandonada, e eu moro em casa própria sempre
inventando uma benfeitoria aqui ou ali. Segundo tapa. Ele me tratou de forma
respeitosa e grata em cada momento do nosso café, mais um tapa, por acreditar
que um pedinte sempre vai nos roubar. Cada um seguiu seu rumo, não antes dele
me dizer que o dono e os atendentes não gostam de pobre, e que sempre é mal
tratado. O último tapa, afinal sempre fui muito bem recebida e nunca me olharam
‘torto’.
- Já eu não gosto de pobreza de espírito – Salientei.
Deixei
de frequentar a padaria, menos o jogo do bicho ainda que permanece na porta e
eu continuo insistindo na ‘fézinha’, entretanto hoje de uma forma diferente:
que o respeito exista independente de sua classe e que eu acerte no jogo.
Porque a vida, meus caros, é muito dura fora da bolha, e carece de doses de
sensibilidade no cotidiano.
Juliana
Soledade
Crônica
produzida para o Jornal A Região publicada no dia 27 de Agosto de 2016
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