Bacharel de Direito, estudante de Teologia, pós graduanda de Direito, escritora, empresária e blogueira. Quase mulher, quase gente, quase anjo, quase santa. Apaixonada por nuvens e mar. Nem muito doce e nem tanto amarga. Feita de carne, osso, pele, cor e poema.

28 de agosto de 2016

Meritocracia

Era um caminho normal, acordar aos sábados e antes de ir ao trabalho passar na padaria e comprar os jornais do fim de semana, logo depois fazer à conhecida ‘fézinha’ no ilegal jogo do bicho na porta do estabelecimento e encarar o dia de trabalho mais tranquilo da semana. Era realmente para ser um sábado qualquer, mas ao estacionar o carro um pedinte antigo da cidade, no entanto jovem na idade, encostou e pechinchou:

- Tia, me dá um real? – Seu bordão famoso.
- O que vai fazer com o dinheiro? – Questionei

Eu sou um pouco avessa a entregar dinheiro, sempre pergunto como vai gastar a quantia e se for algo que possa comprar, vou lá, compro e entrego.

Nesse dia, ele me disse que gostaria de comprar um café, logo o convidei para tomarmos café juntos, mesmo com a ausência da fome. Entrei na padaria, pedi dois cafés duplos com leite, e perguntei se ele encarava um misto. Seus olhos brilharam e concordou silenciosamente.

Percebendo que ele permanecia em pé o tempo inteiro, fiz um convite a se sentar:

- Não doutora, quero não – E foi se aproximando da porta da padaria.

Cheguei bem próximo e alertei de que nós dois poderíamos nos sentar e que era um direito de nós consumidores, mas ele recusou, veementemente apreensivo. A atendente também não gostou da minha proposta, passou a nos olhar de cara feia e nos tratar com rispidez.
Peguei os mistos, paguei a conta e saímos. Perguntei aonde iria se alimentar e apontou para a calçada, questionei se poderia dividir o momento, e ele afirmou com a cabeça.

Sentamos nós dois no meio-fio da calçada da padaria e tomamos nosso café. Conversamos por mais uns 20 minutos. Ele me contou que tem dias que faz apenas uma refeição, depende de alguém para ajudar no dinheiro, ou com algum serviço ou com comida. Eu faço todas as refeições e metaforicamente, de modo imediato, levei o primeiro tapa na cara.  Ainda me contou que mora numa casa abandonada, e eu moro em casa própria sempre inventando uma benfeitoria aqui ou ali. Segundo tapa. Ele me tratou de forma respeitosa e grata em cada momento do nosso café, mais um tapa, por acreditar que um pedinte sempre vai nos roubar. Cada um seguiu seu rumo, não antes dele me dizer que o dono e os atendentes não gostam de pobre, e que sempre é mal tratado. O último tapa, afinal sempre fui muito bem recebida e nunca me olharam ‘torto’.

- Já eu não gosto de pobreza de espírito – Salientei.

Deixei de frequentar a padaria, menos o jogo do bicho ainda que permanece na porta e eu continuo insistindo na ‘fézinha’, entretanto hoje de uma forma diferente: que o respeito exista independente de sua classe e que eu acerte no jogo. Porque a vida, meus caros, é muito dura fora da bolha, e carece de doses de sensibilidade no cotidiano.

Juliana Soledade


Crônica produzida para o Jornal A Região publicada no dia 27 de Agosto de 2016

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