Ainda
bem pequena, aprendi a me calar para ouvir o outro, sobretudo quando se trata das
pessoas ‘mais velhas’; cresci com senhor ou senhora para os pronomes de
tratamento; sigo pedindo desculpas com facilidade, assim como por favor, e
obrigado. Tenho uma dificuldade absurda em desejar bom dia mecanicamente e me
faz mal ser reprimida em casos de esquecimentos. Não que eu não desejo,
descarto a obrigatoriedade, apenas.
Certa
vez vi um casal de velhinhos sentados num trem em um diálogo animador. Se o destino me levou naquele dia até aquele
lugar e me pôs a sentar preferencialmente ao lado desse casal, é realmente momento
de abrir o coração para escutar com outros sentidos. Ele dizia que quando
experimentamos o amor nos tornamos eternos, porque abandonamos o esquecimento,
para e com o outro. O papo descontraído não parou por aí, seguiram conceituando
a solidez no amor e a salvação que somente ele é capaz de alcançar.
Atravessamos
um vilarejo, ele apontava delicadamente para uma saia rodada e comprida numa
vitrine, para em seguida afirmar que a essência de que todo o sentimento só é
bem arrematado se estiver costurado na bainha do amor. Afirmou que o trem só havia
partido com os dois de mãos dadas, porque ambos se elegeram para a longa
travessia. A grande maioria daqueles que sofrem de paixão se abandonam nas
primeiras paradas. A paixão é pragmática. O amor é uma consagração com absurda
dedicação sem limite à condição de tempo. Falava no seu tempo, com respirações
profundas e delicadas. A sua companheira fitava-o concentradamente.
A história é calçada em amores rendidos, como Penélope aguardou o seu Ulisses, fiel e sempre inteira, cuja sua beleza só não era maior do que o seu caráter. Do cavaleiro Tristão e a Rainha Isolda, a união do amor para além da alegria. Afinal, o amor sentido é isso: o pacto de laços para depois da felicidade.
Mas
tem Drummond que torrencialmente chega falando de amor - ou paixão? -, do riso
ao pranto, do imortal somente enquanto durar, no contentamento e no pesar. Na
chama que [pode] se apagar. Um amor agitado, inquieto, com características de
paixão: ardente. E os gloriosos poetas sempre aclamando que quanto menos
correspondido, mais sentido. Amores
verdadeiramente reais ou inventados, qual a diferença se nos fizer bem? Foi
assim para o deleite do amor platônico de Dante e Beatriz. Foram assim para as
ilusões de nosso primeiro e vigésimo amor. Se formos lembrados amorosamente e
permitir lembrar-se de alguém do mesmo modo, qual o problema?
Não
perguntei-lhes o nome, não procurei saber idade, de onde vinham e para qual o
destino seguinte. Acompanhei com os olhos a cruzar o portão de desembarque,
acenei mentalmente um adeus, um muito obrigado e um amor alinhavado com fios de
ouro. E por fim me agradeci por saber calar, por saber ouvir.
Juliana Soledade
Crônica produzida para o Jornal A Região publicada no dia 08 de Outubro de 2016.
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