Bacharel de Direito, estudante de Teologia, pós graduanda de Direito, escritora, empresária e blogueira. Quase mulher, quase gente, quase anjo, quase santa. Apaixonada por nuvens e mar. Nem muito doce e nem tanto amarga. Feita de carne, osso, pele, cor e poema.

17 de abril de 2016

Para Vovô 2

Vô,

Eu sei que já prometi que não escreveria mais cartas, até afirmei isso publicamente para tentar frear esses desejos instintivos dessa humilde escritora. Estou sendo falha, conscientemente falha, me perdoe.

Hoje talvez seja véspera de outro dia qualquer, eu fico daqui amuada entre o meu quarto escuro e as cobertas, escutando a chuva fina que delicadamente cai do céu, e ao mesmo tempo buscando produzir conexões lógicas e não-verbais, acalentado o espaço e a distancia que temos um do outro (se é que elas existem), com as lembranças que me restaram. O silêncio é sempre um fiel aliado para essas possíveis conexões. Te sinto perto, e isso me acalma.

Tenho saudades, principalmente quando chamava de meu avô, com um pronome possessivo que fazia toda a diferença, quem sabe esse fosse o motivo que te chamar milhões de vezes por dia, o fato de saber que poderia ser meu avô, ou meu amor... Saudade também daquele que não sabia me julgar, mas sabia me compreender; que não se afastava, mas que amava, até o seu ultimo suspiro. E creio que essa tenha sido a verdade mais linda: a do amor exposto, entregue, mas nunca vulnerável. Eu tinha certeza do seu amor.

Com aquele olho que enxergava me permitia viajar por aventuras incríveis, desde as corretas até as necessárias, tinha sempre o olhar de encorajamento para mim, e eu nunca fui reprimida. Aprendi com os erros, mas sabia que ao fim de cada um deles poderia me
jogar no seu colo, porque a cada arranhão doloroso, estava ali sentado em sua cadeira vermelha para me escutar, acolher, e amar.

Hoje vovô, entre tristeza e felicidade (porque elas são sensações autônomas e coexistem entre si), relembro quando não permitia que os meus amigos, por mais próximos que fossem te chamasse de avô. Briguenta e carente tomava posse todos os dias da missão de ser sua neta na sua vida. Ciumenta e possessiva desse amor, desde sempre.

Eu sei que Deus não nos trata como um brinquedo que, quando envelhecido ou com a sua utilidade limitada será descartado e outro será posto em seu lugar. Eu sei que esse mistério da morte representa muito mais do que sabemos ou cremos. É um mistério que somente a fé, intensa e significativa, pode serenar quem fica, mas nunca explicar. A fé não explica a razão.

As nossas fotografias revelam motivos que não cabem nos conceitos das palavras. É como se fosse a ponta do cordão que amarra as nossas vidas, e sustenta todo o sentido [e sentimento] do amor.

A minha dor é floreada de saudade é um território santo. E aqui, assim como Moisés ouviu de Deus “Tira as sandálias dos teus pés, porque o lugar em que te encontras é uma terra santa”. Para reviver todos os anos convividos ao seu lado é preciso desnudar o presente e embarcar com ternura ao passado.

Sempre com amor,

Sua neta.


Itabuna, 17 de abril de 2016.

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