Vô,
Eu sei que já prometi que
não escreveria mais cartas, até afirmei isso publicamente para tentar frear
esses desejos instintivos dessa humilde escritora. Estou sendo falha,
conscientemente falha, me perdoe.
Hoje talvez seja véspera de
outro dia qualquer, eu fico daqui amuada entre o meu quarto escuro e as
cobertas, escutando a chuva fina que delicadamente cai do céu, e ao mesmo tempo
buscando produzir conexões lógicas e não-verbais, acalentado o espaço e a
distancia que temos um do outro (se é que elas existem), com as lembranças que
me restaram. O silêncio é sempre um fiel aliado para essas possíveis conexões. Te
sinto perto, e isso me acalma.
Tenho saudades, principalmente
quando chamava de meu avô, com um pronome possessivo que fazia toda a
diferença, quem sabe esse fosse o motivo que te chamar milhões de vezes por dia,
o fato de saber que poderia ser meu avô, ou meu amor... Saudade também daquele
que não sabia me julgar, mas sabia me compreender; que não se afastava, mas que
amava, até o seu ultimo suspiro. E creio que essa tenha sido a verdade mais
linda: a do amor exposto, entregue, mas nunca vulnerável. Eu tinha certeza do
seu amor.
Com aquele olho que
enxergava me permitia viajar por aventuras incríveis, desde as corretas até as
necessárias, tinha sempre o olhar de encorajamento para mim, e eu nunca fui
reprimida. Aprendi com os erros, mas sabia que ao fim de cada um deles poderia
me
jogar no seu colo, porque a cada arranhão doloroso, estava ali sentado em
sua cadeira vermelha para me escutar, acolher, e amar.
Hoje vovô, entre tristeza e
felicidade (porque elas são sensações autônomas e coexistem entre si), relembro
quando não permitia que os meus amigos, por mais próximos que fossem te
chamasse de avô. Briguenta e carente tomava posse todos os dias da missão de
ser sua neta na sua vida. Ciumenta e possessiva desse amor, desde sempre.
Eu sei que Deus não nos
trata como um brinquedo que, quando envelhecido ou com a sua utilidade limitada
será descartado e outro será posto em seu lugar. Eu sei que esse mistério da
morte representa muito mais do que sabemos ou cremos. É um mistério que somente
a fé, intensa e significativa, pode serenar quem fica, mas nunca explicar. A fé
não explica a razão.
As nossas fotografias
revelam motivos que não cabem nos conceitos das palavras. É como se fosse a
ponta do cordão que amarra as nossas vidas, e sustenta todo o sentido [e sentimento]
do amor.
A minha dor é floreada de
saudade é um território santo. E aqui, assim como Moisés ouviu de Deus “Tira as
sandálias dos teus pés, porque o lugar em que te encontras é uma terra santa”.
Para reviver todos os anos convividos ao seu lado é preciso desnudar o presente
e embarcar com ternura ao passado.
Sempre com amor,
Sua neta.
Itabuna, 17 de abril de 2016.
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