Há alguns anos atrás quando
dava entrada nos papéis de casamento no fórum, a servidora indagou algumas
informações para dispor no documento do casório. Animados, até então
apaixonados e decididos sobre o nosso futuro respondíamos sem titubear sobre os
dados questionados, exceto quando a pergunta foi sobre a nossa ocupação. Ele,
todo pomposo relatou a sua atividade principal ($$), enquanto na minha vez fui
interrompida sem direito a replica: “ela é do lar”.
Confesso que senti a carne
cortando quando ele deu essa afirmativa, primeiro porque não apenas tinha
ocupação, como havia planos muitos maiores que eram sucumbidos, e em seguida
percebi o papel que deveria exercer.
Ao visualizar a reportagem
no estilo de Revista Caras como se fosse uma coluna social, porém dentro da
Revista Veja, me senti dentro de um casamento que não suportou 45 dias e que
precisei abandonar o barco antes que ele afundasse por completo.
Simone de Beauvoir uma
filosofa intelectual afirmou: “que a liberdade seja a nossa própria
substância”, e isso cheira ao século que estamos inseridos. Por favor, não
confundam as bolas, a mulher pode ser sim quem ela quiser, ela só não pode ser
obrigada a agir de forma diversa como gostaria.
Relembro que para não
contrariar o quase futuro marido permaneci calada, ele não gostava de ser
contestado, tampouco aborrecido em público. Dormi com a frase “ela é do lar” e
acordei com ela ressoando em minha cabeça. Não custou para tirar o carro da
garagem, ir até o fórum e pedir alteração colocando a minha real ocupação. A servidora riu do acontecido, rimos juntas.
Talvez aquele riso tivesse uma ironia em relação a minha péssima escolha do
pretendente.
O meu entojo e o espanto da
maioria sobre a reportagem seja, justamente, pelo fato de não sermos educadas
para cozinhar, lavar e passar. Somos doutrinadas a ter um bom currículo, falar
fluentemente duas línguas e sermos livres para escolher onde pousar. Felicidade
e submissão não são palavras que se entrelaçam. Não para mim. Felicidade rima
com liberdade e com serenidade.
Somos capazes de odiar uma
batedeira de presente de aniversário, ou um jogo de panelas antiaderente. Mas
somos capazes de amar ilimitadamente aquele que sabe caminhar junto de mãos
dadas, seja no lar, seja na rua, na chuva ou numa casinha de sapê.
Juliana Soledade
Crônica produzida para o Jornal A Região publicado no dia 23 de Abril de 2016
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