Bacharel de Direito, estudante de Teologia, pós graduanda de Direito, escritora, empresária e blogueira. Quase mulher, quase gente, quase anjo, quase santa. Apaixonada por nuvens e mar. Nem muito doce e nem tanto amarga. Feita de carne, osso, pele, cor e poema.

8 de janeiro de 2016

Perfil organizado

Morei em Itabuna, passei o dia no litoral, virei praieira. Vou e volto. Amo e desamo. As palavras me perseguem. No fim me entrego ao silêncio. Sou fascinada por minha dor.

O ciclo era este: Vovô ministrava amor em doses cavalares, Vovó me ensinava à paciência de preparar bolos confeitados, Painho cuidava dos machucados com muito esmero, Mainha fazia os almoços memoráveis de domingo. Tia Fátima virava adolescente, meu primo Adriano apresentou a comédia. Tia Marília a geometria, Tia Clery a compreensão.

Na minha vértice de escritora, vou expulsando verbos, anjos e demônios. Vou me vendendo, me comprando, me reinventando.

Nunca fui centro das atenções. Gosto da possibilidade de nem sempre ir com todo mundo, com todas as culinárias e especiarias, com raças diversas. Com pouca consciência ou sentimento.

Dou um braço pelo azul, e o traio com vermelho. Abandono o azul e o vermelho pelo branco. Mudana. Nasci assim. Sempre desconfiada. Inquieta. Se soubesse dançar, não teria uma só palavra parada, nem uma música sem ritmo corporal. Respeito acima de todas as coisas a seriedade dos sentimentos, e aceito a simplicidade dos sentidos, primata ou contemporâneo.

Fico eufórica com os anúncios de viagens turísticas. Contemplo me entregando as Ilhas Maldivas, ao caminho de Santiago de Compostela e a paz do Tibete. Penso nos deuses indianos, no tango argentino, no vinho Italiano. Posso abandonar a euforia em um sono entre o almoço e o futuro.

Não tente qualquer discurso para me convencer. Acorrento minhas mãos para não aplaudir pregações idiotas. Ancoro meus pés em minha fortaleza para não me dispor em ambientes intoleráveis.

Vivo me perdoando, porque é doce perdoar. Às vezes me destruo, porque é mais leve reconstruir. Sou fascinada em minha dor.

Devoro uma moqueca baiana como se não houvesse amanhã, mas sei deixar escorrer um espumante gelado por minha garganta como uma fina europeia. Às vezes me satisfaço com pão e água como banquete.

Divirto-me na chuva, viro menina levada, sei tomar banho de bica. Com o sol me banho com água salgada, invado o mar. Me invado, reinvento, escorro em mim como lágrimas, desamarro-me para recompor, para escorrer sempre que preciso, e inventar, reinventar e escorrer de novo.

Vou e volto é o meu direito, uma obrigação que grita, afirmando: você é liberta. Vou e volto com quem me perturba, quem me abusa. Amo, desamo, faço e refaço.

Perdoo o mal que me atingiu, me aconchego com o bem. E vivo de palavras, ditas e não ditas. Elas me agarram, as imagens me agarram. Não tenho simpatia.

De tudo resta o silêncio, minha maior liberdade. Sou fascinada em minha dor.

Juliana Soledade

Crônica produzida para o Jornal A Região publicada no dia 9 de Janeiro de 2016.

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