Bacharel de Direito, estudante de Teologia, pós graduanda de Direito, escritora, empresária e blogueira. Quase mulher, quase gente, quase anjo, quase santa. Apaixonada por nuvens e mar. Nem muito doce e nem tanto amarga. Feita de carne, osso, pele, cor e poema.

11 de outubro de 2015

Infância


Aos sete anos a alta tecnologia que se valia na minha vida era de uma ladeira íngreme, um par de patins com rodas de gel ou com o carrinho de rolimã do amigo. Bicicletas para os passeios mais longos, que não passavam de um bairro a outro.

Fazíamos competição de gude, pião e baleado. Trocávamos figurinhas para que todos os álbuns ficassem completos. Não existia cansaço para brincar de pega-pega, esconde-esconde, ou para sacanear algum vizinho chato.

Quando eu era criança a maioria das famílias eram amigas, partilhavam desde mantimentos até os sonhos na porta de casa, recebendo a brisa como estímulo para continuar a se juntarem. Mas quase sempre existiam desentendimentos, na sua maioria por motivos insignificantes. Surpreendentemente, voltavam a se falar em menos de um mês, e o melhor sem mandar matar ninguém.

Aprendemos na rua entre um jogo de bandeirinha e outro, que os ‘mais velhos’, assim como as mulheres mereciam respeito. O jogo era suspenso até que eles passassem. E caso, algum engraçadinho fizesse chacota, começaria a ser isolado. O motivo era óbvio: ninguém queria andar com gente desse tipo para não apanhar em casa.

Xingamentos eram proibidos, soltar um “filho da puta” era caso de briga entre famílias, mãe era sagrada a ponto de ninguém poder afrontar. Respeito acima de tudo, ou uma bela surra com escova de engraxar sapatos para aprender. 

Aos 12 ainda brincava de boneca e de casinha. Ninguém queria saber de beijo escondido, ou de namoro no portão. Sexo era tabu, drogas e álcool eram coisas do inimigo, não consumimos na infância, não havia motivos, a felicidade era nossa aliada, e quando a tristeza sinalizava presença os motivos eram evidentes: punições ou castigos severos.

Era traquina, levei inúmeras surras, chineladas e corretivos, não fui uma criança fácil, gostava de brincar quando não podia, de fingir ter feito às tarefas da escola, e de soltar bombas na sala de casa dos vizinhos. Comia Leite Ninho escondida, entrava pelas janelas alheias, e me divertia sem maldades. E quando escutava o nome completo soando pelas ruas, eu sabia, tinha cheiro de surra no ar.


Não tínhamos dinheiro, mas a vida era de luxo. E acredito que a minha geração provavelmente tenha sida a última verdadeiramente livre e feliz. Ando topando com crianças que despejam violência e depressão sem motivo, são infelizes tendo tudo, mas absurdamente privadas de liberdade, sem saber o que o nada se resumia a um areial com papelão e um sorriso de orelha a orelha.


Juliana Soledade

Crônica produzida para o Jornal A Região, do dia 10 de Outubro de 2015.

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