Aos sete anos a alta tecnologia que
se valia na minha vida era de uma ladeira íngreme, um par de patins com rodas
de gel ou com o carrinho de rolimã do amigo. Bicicletas para os passeios mais
longos, que não passavam de um bairro a outro.
Fazíamos competição de gude, pião
e baleado. Trocávamos figurinhas para que todos os álbuns ficassem completos.
Não existia cansaço para brincar de pega-pega, esconde-esconde, ou para
sacanear algum vizinho chato.
Quando eu era criança a maioria
das famílias eram amigas, partilhavam desde mantimentos até os sonhos na porta
de casa, recebendo a brisa como estímulo para continuar a se juntarem. Mas
quase sempre existiam desentendimentos, na sua maioria por motivos insignificantes.
Surpreendentemente, voltavam a se falar em menos de um mês, e o melhor sem
mandar matar ninguém.
Aprendemos na rua entre um jogo de bandeirinha
e outro, que os ‘mais velhos’, assim como as mulheres mereciam respeito. O jogo
era suspenso até que eles passassem. E caso, algum engraçadinho fizesse
chacota, começaria a ser isolado. O motivo era óbvio: ninguém queria andar com
gente desse tipo para não apanhar em casa.
Xingamentos eram proibidos,
soltar um “filho da puta” era caso de briga entre famílias, mãe era sagrada a
ponto de ninguém poder afrontar. Respeito acima de tudo, ou uma bela surra com
escova de engraxar sapatos para aprender.
Aos 12 ainda brincava de boneca e
de casinha. Ninguém queria saber de beijo escondido, ou de namoro no portão.
Sexo era tabu, drogas e álcool eram coisas do inimigo, não consumimos na
infância, não havia motivos, a felicidade era nossa aliada, e quando a tristeza
sinalizava presença os motivos eram evidentes: punições ou castigos severos.
Era traquina, levei inúmeras surras,
chineladas e corretivos, não fui uma criança fácil, gostava de brincar quando
não podia, de fingir ter feito às tarefas da escola, e de soltar bombas na sala
de casa dos vizinhos. Comia Leite Ninho escondida, entrava pelas janelas
alheias, e me divertia sem maldades. E quando escutava o nome completo soando
pelas ruas, eu sabia, tinha cheiro de surra no ar.
Não tínhamos dinheiro, mas a vida
era de luxo. E acredito que a minha geração provavelmente tenha sida a última
verdadeiramente livre e feliz. Ando topando com crianças que despejam violência
e depressão sem motivo, são infelizes tendo tudo, mas absurdamente privadas de
liberdade, sem saber o que o nada se resumia a um areial com papelão e um
sorriso de orelha a orelha.
Juliana Soledade
Crônica produzida para o Jornal A Região, do dia 10 de Outubro de 2015.
Crônica produzida para o Jornal A Região, do dia 10 de Outubro de 2015.