Era para ser mais uma roupa
no armário. Mesmo que escolhida carinhosamente na boutique, jamais haveria
possibilidade de imaginar as boas sensações que adviriam daquela peça: era um
vestido que tinha superpoderes, sobre quem vestia e quem admirava. Um tubinho
preto, que parecia ter sido feito sob encomenda e disposto a vácuo nas minhas
curvas.
Deveria ser mais um sapato
comprado impulsivamente, mas não; foi escolhido, desejado e encomendado. Foi calçada
naquele sapato, com os pés alinhados no altar, que eu disse sim, querendo dizer
não. Ao encontrá-lo, em meio aos mais de cem pares, minha feição mudou. Com as
feições alteradas, qual carranca de barco, protegi o “quase-despacho” em sua própria
caixa e tornei a escondê-lo. Uma hora dessas eu abandono n’alguma encruzilhada.
Não falta coragem, só vergonha, eu garanto.
Era para ser apenas uma
mala, mas ao tirá-la de dentro do guarda-roupa a propósito de mais uma
aventura, sorri e precisei sentar na beira da cama, instantaneamente. Inundada
de lembranças, mergulhei nos embarques e desembarques, nas esperas: do próximo
vôo, das placas, flores e sorrisos que me aguardavam. Na ida ou na vinda, havia
quem tomasse a mala de minhas mãos e levasse rumo a um veículo,
consequentemente, a novos destinos e novas vivências memoráveis.
Interrompida pelo celular
sinalizando uma nova mensagem, engrenei em novas recordações, e abri outras
portas do meu armário. Encontrei presentes esquecidos propositalmente: um conjunto
de joias fora do lugar, perfumes que me conduziram a tantos outros lugares, sem
mover sequer os pés. Encontrei um segredo no fundo da terceira gaveta, uma
pétala da última rosa, tickets de
museu, e ingressos de alguns shows que afirmei que iria, mas desisti em cima da
hora. Encontrei um livro que eu escondi, algumas moedas e um kit novo de
maquiagem que sequer lembrava haver adquirido.
Não
explico como cabe tanta história num único armário, só garanto que sim, cabe. O
meu tem cheiro de respeito, de promessas cumpridas, de coração refeito. Alguns
itens carregam múltiplas emoções, outros são vazios de fazer pena. Os que porventura
não têm histórias, ainda terão.
Ainda inebriada, voltei para
o vestido e me senti satisfeita com os efeitos secundários: as lembranças e o
perfume carimbado do outro para as próximas horas, um suspiro malicioso e uma
vontade descomedida de voltar no tempo, ter o olhar direcionado e os beijos
surreais de novela, novamente.
- La vie la vie.
Juliana Soledade
Crônica produzida para o Jornal A Região de 05 de Setembro de 2015.
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Crônica produzida para o Jornal A Região de 05 de Setembro de 2015.