Deveria constar na bula: proibidas
para mulheres de bom coração, sensíveis e bem intencionadas. Ao tratar de seus
fiéis desempenhava uma função intrínseca. Dentro de casa a doçura foi secando.
Mesmo oferecendo a sobremesa em momentos [e lugares] alternados.
Vigilante
nem tanto, concedia a si mesmo o que não permitia aos seguidores: a bebida, a
traição e a farra descomedida, uma graça na hipocrisia. A mulher aviava receita
a si própria para lidar com o marido: evitar falar em problemas; guardar o
melhor pedaço do bolo; garantir a organização da casa e do escritório. Poupado
de quase tudo e temido por muitos.

Os
sonhos que caminharam rumo ao altar, ao longo de trinta dias, foram caindo no
tapete vermelho, como as pétalas de rosas colombianas que a daminha atirava ao
chão. Delicadamente o encantamento foi escorrendo ralo abaixo, bem como a
pretensão da materialidade matrimonial e o cumprimento
de todas as promessas na frente do sacerdote (“prometo ser-te
fiel, amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença,
todos os dias da nossa vida”) fossem válidas, conforme o combinado
publicamente.
Havia
um desejo de comemorar o primeiro mês de casamento, mesmo engolindo a seco
todas as revelações repentinas que o envolviam. Foram perdidas num só segundo.
Entre uma fatura de cartão que confirmavam uma traição e um soco, milimetricamente
bem calculado para acertar em cheio. Não somente o supercílio dilacerado, mas
as razões e a moral também. A dignidade foi atirada no chão junto ao corpo desmaiado,
e por muito pouco não foi queimada simultaneamente com o álcool embevecido num
corpo de uma sonhadora.
Infelizmente
constituiu-se num inexplicável e incompreensível acontecimento de uma muito
recém-vida matrimonial. Naquele soco e demais atos de violência praticados foi
o cortejo de uma tentativa de vida a dois rumo ao funeral. Morreram sonhos,
planos e verdades. Morreram as tentativas vãs de galgar um futuro ao lado de
quem se amava. Morreram as certezas tão incertas.
Confesso
que o tempo me forneceu as imagens e vivências, eu apenas acrescentei algumas
poucas palavras, e na verdade não estarei contando o meu destino. Somente parte
dele. Os experimentos traumáticos são indescritíveis em qualquer tipo de
linguagem, somente a minha arte da escrita me desafia a expulsar os fantasmas
da lembrança, o que testemunho faz é criar aos poucos uma forma de reorganizar
essa experiência e torná-la digerível.
O
eu-narrador ao externar tamanha dor vivida em tão pouco tempo é dar forma
textual a essas experiências, buscando ressignificar um passado e alertar para o
perigo que ainda assola a humanidade: a violência doméstica.
A
realidade nos traz o poder de ignorar, mas “somos testemunhas e devemos
carregar estes fatos”, por isso escrevo e reescrevo em minha memória quatro anos depois.
Juliana
Soledade
Itabuna,
29 de dezembro de 14
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