Bacharel de Direito, estudante de Teologia, pós graduanda de Direito, escritora, empresária e blogueira. Quase mulher, quase gente, quase anjo, quase santa. Apaixonada por nuvens e mar. Nem muito doce e nem tanto amarga. Feita de carne, osso, pele, cor e poema.

8 de outubro de 2014

Cabelo

Vovô tinha cabelos além de brancos, eram alvos, muito finos e em sua cabeça algumas partes eles já tinham desaparecido. Comecei a cortar o cabelo de vovô quando nem sabia atravessar a rua sozinha. No início desenhava um mosaico em sua cabeça, ele não me censurava. Vezes outras, o barbeiro consertava as imperfeições que eu gerava.

Ele se recostava na cadeira, eu sentava em seu colo e aparava os seus pelos da sobrancelha, nariz e orelhas. Ele me deixava passar creme hidratante nos pés também, quando insistia muito besuntava por quase todo corpo, homem daquele tempo não se rendia fácil às vaidades. Mas eu o fazia ser rendido.

Vovô gostava do sol da manhã, principalmente na primavera. Ele sentava na porta de casa e deixava se esquentar, eu sempre acompanhava, dizia que fazia bem para o sangue. Sua bisneta desfrutou assim como eu de seu confortável colo no batente da porta, ela só não pôde retirar sozinha a roupa mais quente à medida que o sol aquecia o corpo, nem conversou sobre o movimento na avenida que avistávamos, tampouco do desenho de nuvens no céu. 

Conforme os anos corriam, eu continuava a cortar seu cabelo, melhorei um pouco, talvez. Guardava os tufos branquinhos, depois atirava para cima no quintal. Vovô tinha uma paciência incontável comigo. Não precisava o cabelo crescer muito, eu sempre tinha um motivo para pegar o pente e a tesoura, e aparar. Caso não ficasse bom, a culpa era da tesoura cega, e ele nem se importava.

Ele me deixava lixar as suas unhas das mãos, mas nunca me deixou cortar, dado que tinha um cortador de unhas, incrivelmente limpo e guardava feito joia. Ele era cuidadoso, mesmo enxergando somente com um olho, e neste pingava colírio diariamente, quando estava no seu ninho, eu gotejava bem na parte colorida do olho. Ele se sentia cuidado.

Guardei a tesoura que cortava o seu cabelo, para quem sabe um dia, eu poder cuidar tão bem de meu pai como cuidei de meu avô. Ou ainda, permitir que a minha pequena Maria experimente do amor em fragmentos de delicadeza.  

Enquanto isso, a vida corre e meu pai não me deixa cortar os seus cabelos. 


Primavera, 8 de setembro de 2014

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