Reparou a primeira vez naquele apartamento quando atravessou
a porta as quase três da manha, após um voo turbulento e complicado. Noutra
vez, ignorou qualquer detalhe e preferiu que absolutamente nada ficasse
registrado na memória.
Pelas cortinas entreabertas, conseguia ver a noite
iluminada, banhada de pecado. Enquanto do lado de fora enaltecia pecado, as
suas costas ardiam de desejos.

Mas uma voz fez um convite intimidador. Rompendo silêncios e
alagando as suas dúvidas. Ela seguiu, apartando o imaginário perturbador.
Ele correu os dedos pela sua corrente, sentiu a textura fria
do metal nobre, arrancou-lhe um beijo e atirou-a na cama repleta de
travesseiros. Ávidos, apagaram as luzes, o breu foi um jogo indecifrável de
prazer. Por minutos não sabiam o que dizer, palavras desconexas, incompletas.
Transportados para outro mundo, flagrando-se, despertando-se zonzos de um
eclipse.
Ao abrir os olhos, foram luzes. Luzes que se multiplicavam
com intermitência, completamente irregulares. Todas as partes se atraíam, como
polos negativos e positivos. Pontadas de inquietações agrediam o peito
completamente entregue, assim como o corpo e a alma. A verdade é que, neste
despertar sentiu um espetáculo desconhecido, inesquecível de tão hipnótico.
Ela sentou-se, esfregando os olhos. Ainda era madrugada.
Aparentemente tudo estava em ordem, exceto as duas vidas que viraram de ponta
cabeça em poucas horas.
Agora, fragmentos de memórias, diuturnamente mensagens que
postas no sarcófago são relembradas e enterradas em seguida na capsula do
tempo.
E, se isto não era tudo, haveria, ainda, o mar?
Primavera, 07 de Setembro de 2014