Bacharel de Direito, estudante de Teologia, pós graduanda de Direito, escritora, empresária e blogueira. Quase mulher, quase gente, quase anjo, quase santa. Apaixonada por nuvens e mar. Nem muito doce e nem tanto amarga. Feita de carne, osso, pele, cor e poema.

1 de setembro de 2014

Aniversário

Meu avô fez aniversário outro dia, 96 anos. Está lúcido ainda, mas percebo um pouco de desânimo, com o olhar perdido fala constantemente sobre a morte, ele discorre sobre ela com certo cansaço, como quem fica procurando e nunca encontra.

Ele gosta de ficar sentado em sua cadeira, as mãos trêmulas desistiram dos trabalhos minuciosos e hoje repousam sobre o seu colo. A televisão ligada é desinteressante, ouve minha conversa de recém-casada sem muito entusiasmo, mas ainda assim dá um sorriso tímido, como se fosse apenas por mera delicadeza e generosidade de sua parte. As minhas visitas sempre foram diárias e a cada vez que eu cruzo a porta, puxo conversa e faço carinho. Ultimamente ele me responde monossilabicamente. É frustrante, confesso.

No dia em que mudou de ano, não foi diferente. Estava perfumado com a doce fragrância de leite de colônia, os seus cabelos muitos alvos e bem finos compunham a idade avançada, junto com a calvície. O que me incomodava era o seu olhar desbotado, era de quem clama socorro, sem brilho, sem vida.

O presente ofertado mal foi desenrolado da embalagem, escolhi com tanto cuidado, ele apenas encostou no canto da mesa.

Ao vê-lo neste 25 de Abril, pensei instantaneamente no avô do meu tempo de menina, quando ele ainda era mais forte e enxergava com os dois olhos. Naquela época, ele adorava contar histórias – histórias mal assombradas. Nos dias de chuva, vento forte com raios e relâmpagos, ele contava do tempo na roça, do raio na árvore, dos animais que estavam abrigados e morreram e da barcaça que passou por cima da sede por conta do vento. Eu sempre chorava quando ele ia tomar banho nos dias que Iansã guerreava no céu. Tinha medo de um raio acertar a antena que ficava bem em cima do banheiro.

E agora, anos depois, eu continuo sendo a única neta que ouviu todas as ‘contações’, e ele me olhando com o seu quase sorriso, tão quieto. Eu ainda bagunço o seu cabelo, aperto os seus dedos, e quando sento na cadeira ao lado, nada sei dizer. Mas sempre acabo dizendo, digo sobre o amor, o nosso, e só assim o olho que enxerga sorrir pra mim, o outro continua sem reação.

Itabuna, 28 de Abril de um ano qualquer.



PS: Escrevi esse texto pouco antes da morte de meu avô, e escreveria hoje novamente, com todo o afeto que existe em mim.


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