Ela carregava dentro dela um desejo escuro. Vontade de saber se ele retirava o seu silêncio quando ia dormir. Havia sempre, sobre uma mesinha ao lado da cama, vários cadernos e livros, que além de cegos eram mudos. Mas bem serviria de berço para as palavras não ditas. Palavras que eram e não eram dele.
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Ele se apossava do volante e embalava o carro como se a estrada fosse dele. Dirigia devagar para não despertar o silêncio, guardava uma secreta ternura pelo silêncio. E a partir dele aprendi que no silêncio cabe tudo. O silêncio embaralha os labirintos. E também absorve todos os ruídos, e guarda pra si como se fosse dono.
Muitas vezes esse silêncio se misturava com incompreensões, possuía dores escondidas, tinha gosto de sonhos partidos. E se o silêncio era intenso demais, havia derramamento de emoções desnecessárias. O silêncio é a essência do segredo. O que o olho dele via, era a visão do silêncio.
Envolvidos pelo silêncio eram metades incompletas. Várias vezes ele abaixou as pálpebras e encontrava outras lonjuras na frente dela. O seu silêncio era o cartão de embarque para viagens, viagens distintas, cada um em voo diferente, cada um com uma emoção bem oposta do outro. Ela tentava adivinhar por onde estava sobrevoando, ele estava concentrado em suas alturas. Nenhum dos dois imaginava as mãos que eram apertadas, ou os oceanos que atravessavam, havia distância. Todo o esforço era miúdo diante a quantidade de segredos e suspiros ocultos. estavam envolvidos de emudecimento.
O seu silêncio era ameaçador, vivia desafiando as inquietações, deixava tudo atordoado. Ela imaginava que ele poderia estar lendo o que estava escrito dentro dela, isso afligia. Enquanto as palavras da moça ficavam presa na garganta, se contorcendo.
Muitas vezes o desejo era de que ele chorasse, para ver se o silêncio saíam por lágrimas. Mas ele nunca chorou, motivos ele tinha. Não poder dizer o que quer deve trazer ansiedade, falar com o mundo pela metade deve trazer tristeza. É bom sentir as lágrimas rolando no rosto como uma cachoeira com águas quentes. Ela já gostava das lágrimas, tinha dizeres nela.
Certo dia, ela virou silêncio também, era como se faltasse luz no olhar. Com as palavras enxerga-se o raso, com o silêncio mergulha-se no fundo. Essas palavras amarradas, fizeram uma costura bem feita, como uma oração inteira, a oração do adeus.
As palavras eram amor, o silêncio, desamor.
Juliana Soledade
Em travessias, 18 de Agosto de 2014.
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