Olhávamo-nos, a graça dominava, entre um misto de
gratidão e devoção. Ríamos sem grandes motivos, os abraços –apesar de poucos –
eram facilmente substituídos por palavras de agradecimento. Caminhávamos rumo a
novas paisagens, discutíamos o tempo, a estrada e os novos assuntos polêmicos,
faltavam-me argumentos para suas tantas certezas.
Aquele respeito vinha em forma de veneração, onde sequer Deus poderia realizar
atos em tão perfeita sincronia e delicadeza. A maneira com que se colocava a
efetuar as atividades – desde as mais simples até as mais complexas – a
exatidão, a confiança das palavras, a segurança desde o acordar até o
adormecer, a firmeza como desenhava os pés no chão... A tradução do poder de
ser além, sobre qualquer outra pessoa.
O discurso, sempre tão bem pontuado, cessava qualquer necessidade de
verificação dos fatos; a confiança, tamanha, ceifava qualquer mínimo pensamento
dúbio. A relação de divindade era notória.
Mas a maturidade trazida pelas experiências vivenciadas
inicia um processo de corrosão na blindagem da divindade. Começam a surgir,
então, as fissuras existentes na imagem antes adorada. Com isso, os laços –
outrora firmes, insolúveis – passam a afrouxar, até que um dia simplesmente
caem, em pontas separadas.
O perfume já não era o melhor a ser exalado, o sorriso de
criança boba a cada presente ofertado foi lançado a léguas, a presença, antes
tão querida, hoje é motivo de angústia e a voz, que outrora ecoava como melodia
suntuosa, é estopim da aflição.
Os passos, antigamente tão bem desenhados, passaram a ser escutados como marcha
ao dilúvio.
Aquele discurso, inquestionável, converteu-se em falácias,
palavras podres. O castelo entrou em processo de desmoronamento, diuturnamente
abalado por ondas de desarmonia, implacáveis. Somente alicerces profundos ainda
resistem. O restante, em breve, será somente história.
Juliana Soledade